O importante é cativar?
(Publicada no Jornal Folha das Máquinas, 04/09, p. 06)
Li que a animação O Pequeno Príncipe estreia nos cinemas nestes dias.
Esse é um dos livros mais lidos de todos os tempos. Já é, muito antes da
internet, das salas de cinema nos shoppings, do DVD e do blue ray, da
animação e da TV em 3D. Essa evidência e o otimismo em relação ao livro
como elemento cultural bem que poderiam significar uma corrida às
bibliotecas e livrarias.
A arte anunciando o novo filme levou-me, no aviãozinho prestes a cair no deserto, para um final de ano do antigo segundo grau, hoje ensino médio, em que nutria um amor platônico, o que hoje nem deve existir mais, uma vez que quem está a fim pula o curtir, compartilha e logo esquece, afinal, a fila anda...
Um livro de mensagens que ganhei relacionava as passagens do livro de Exupéry a situações cotidianas, e uma das principais, ilustrada com uma cena de multidão apressada, dizia que as pessoas não tinham mais tempo para nada, estavam sem amigos, pois não se dedicavam a cativá-los. Isso mudou muito, certo? Afinal, qualquer um de nós coleciona entre 800 e 2348 amigos em poucos clicks.
Mas o que mais importava na época, afinal eu vivia um amor platônico, era a parte em que a raposa relacionava a cor dourada dos campos de trigo aos cabelos do principezinho. Fazer o quê, o menino era loiro. E eu me pergunto como uma menina de ensino médio lê este livro hoje, que leituras faz de uma história aparentemente inocente, mas densa e intensa a ponto de transitar por gerações e impulsionar diferentes leituras.
Vou acompanhar com curiosidade a bilheteria, o tipo de público, o impulso à leitura e tudo mais que a animação pode provocar. Principalmente, estou ansiosa para conhecer a leitura que os animadores fizeram deste clássico da literatura.
A arte anunciando o novo filme levou-me, no aviãozinho prestes a cair no deserto, para um final de ano do antigo segundo grau, hoje ensino médio, em que nutria um amor platônico, o que hoje nem deve existir mais, uma vez que quem está a fim pula o curtir, compartilha e logo esquece, afinal, a fila anda...
Um livro de mensagens que ganhei relacionava as passagens do livro de Exupéry a situações cotidianas, e uma das principais, ilustrada com uma cena de multidão apressada, dizia que as pessoas não tinham mais tempo para nada, estavam sem amigos, pois não se dedicavam a cativá-los. Isso mudou muito, certo? Afinal, qualquer um de nós coleciona entre 800 e 2348 amigos em poucos clicks.
Mas o que mais importava na época, afinal eu vivia um amor platônico, era a parte em que a raposa relacionava a cor dourada dos campos de trigo aos cabelos do principezinho. Fazer o quê, o menino era loiro. E eu me pergunto como uma menina de ensino médio lê este livro hoje, que leituras faz de uma história aparentemente inocente, mas densa e intensa a ponto de transitar por gerações e impulsionar diferentes leituras.
Vou acompanhar com curiosidade a bilheteria, o tipo de público, o impulso à leitura e tudo mais que a animação pode provocar. Principalmente, estou ansiosa para conhecer a leitura que os animadores fizeram deste clássico da literatura.
Dois cães no céu
(Publicada no Jornal Folha Das Máquinas, 21/08, p. 06.)
Acompanhar os últimos momentos de um cãozinho que deixou o pote de
ração cheio e a água fresca, porque partiu muito cedo; esqueceu-se de
apanhar o bichinho de pelúcia, porque foi embora antes do tempo; não fez
a costumeira festinha para ganhar um petisco, porque não pode voltar
para casa. Isso é tão difícil.
Guardar suas coisas, os potes, o
cobertor, as almofadas surradas, doar a ração e outros comestíveis
caninos que sobraram; ver que nem roeu o ossinho do último churrasco,
que ele gostava tanto; desfazer seu canto preferido, que incluía o
cobertorzinho e a poltrona, doação das crianças, suas amigas mais fiéis.
Isso dói muito.
Como será o fim do dia? Os passeios já estavam
virando rotina. E quem vai aproveitar o colo delas depois da escola e
recebê-los depois do trabalho, rabinho faceiro? Você já percebeu que
podem passar vários carros semelhantes na rua, mas seu cachorro sabe,
com muitos metros de antecedência, quando realmente é você que está
chegando?
Quando você perde um amigo cão de quatorze anos, sofre
muito, queria que ele vivesse até os máximos vinte anos, que dizem ser
possível. Mas conforma-se, uma vez que ele já não ouvia mais e tinha
dores pelo corpo. Por outro lado, quando se vai um cãozinho jovem, além
de triste você se sente um inútil, culpado pelo descuido, que não teve
final feliz.
Duas perdas dessas e resta o conforto de que seus dois
amigos devem ter se encontrado, no céu dos animais (perdão pela falta de
originalidade) e o mais novo deve estar contando ao outro as novidades
da casa. Que mudou de cor, que as flores chegaram mais cedo neste ano,
que a meninada cresceu muito e que os ossinhos estão mais raros, afinal a
carne para churrasco está caríssima. O mais velho lembrando ao mais
novo tê-lo avisado de que briga de rua é coisa de cachorro grande... Que
se divirtam, pois por aqui isso vai demorar um pouco.
Cor preferida
(Publicada no Jornal Folha das Máquinas, 18/08, p. 08)
(Publicada no Jornal Folha das Máquinas, 18/08, p. 08)
“Mãe, qual é sua segunda cor preferida”, pergunta minha filha de oito
anos. A primeira ela sabe que é verde, mas não quer pintar o cartão de
aniversário de verde. Cito a cor e ela pergunta pela terceira cor
preferida, entrego os pontos e digo que é rosa. Afinal, há 16 anos
vivemos em um universo rosa, em todas as nuances, com pontos de lilás e por aí afora. Laranja, vermelho, azul, essas vêm em fases, mas o rosa... Vou amar esse novo cartão rosa!
Porém, a vida surpreende, graças a Deus. O cartão vem com verde, vermelho, amarelo e até um contorno preto. E o mais saboroso, ele diz “você é linda como uma esmeralda”. Inacreditável que as pessoas digam que não sabem escrever poesias ou que não lembram o que é uma metáfora, se com oito anos a gente já sabe. E não se desaprende apenas poesia e metáfora ao longo da vida, por isso as pontualidades são importantes, o ano novo para metas e promessas; a segunda-feira para dietas; o aniversário para retomadas.
Então, espeto o balão multicolorido chamado ego (no dia seguinte, afinal ninguém é de ferro, rsrsrs) e retomo acontecimentos, decisões, sucessos e tombos, sabendo que nem sempre agradeci ou reconheci e que perdi oportunidades de estreitar laços. Não apenas os jovens acreditam que vão viver para sempre, todos em alguma medida acreditamos nisso e vamos projetando no amanhã, deixando para “um dia desses” a visita, o abraço, o agradecimento.
Olhando os lírios amarelos (amarela é minha cor preferida para flores) prometo mais uma vez que os gestos e os momentos simples da vida serão rotina, que não faltarei às comemorações, que parabenizarei todos os aniversariantes do dia, que elogiarei com frequência, que sorrirei sinceramente aos que me tiram a paciência, que farei mais algumas coisas que gosto e menos outras que detesto, que serei voluntária e, finalmente, que não descuidarei dos exercícios físicos (Affff!).
O sinal do WhatsApp interrompe a reflexão e a outra filha, aquela que pintou nossa casa de rosa há dezesseis anos, pergunta: “Mãe, qual é mesmo tua cor preferida? Verde?” Ela já pinta com todas as cores, veste animal print, marsala ou o que “pintar”, então, sinto o clássico arrepio de mãe. Em seguida, baixa uma foto: “Surpresa, mãe, pintei meu cabelo de verde!
Porém, a vida surpreende, graças a Deus. O cartão vem com verde, vermelho, amarelo e até um contorno preto. E o mais saboroso, ele diz “você é linda como uma esmeralda”. Inacreditável que as pessoas digam que não sabem escrever poesias ou que não lembram o que é uma metáfora, se com oito anos a gente já sabe. E não se desaprende apenas poesia e metáfora ao longo da vida, por isso as pontualidades são importantes, o ano novo para metas e promessas; a segunda-feira para dietas; o aniversário para retomadas.
Então, espeto o balão multicolorido chamado ego (no dia seguinte, afinal ninguém é de ferro, rsrsrs) e retomo acontecimentos, decisões, sucessos e tombos, sabendo que nem sempre agradeci ou reconheci e que perdi oportunidades de estreitar laços. Não apenas os jovens acreditam que vão viver para sempre, todos em alguma medida acreditamos nisso e vamos projetando no amanhã, deixando para “um dia desses” a visita, o abraço, o agradecimento.
Olhando os lírios amarelos (amarela é minha cor preferida para flores) prometo mais uma vez que os gestos e os momentos simples da vida serão rotina, que não faltarei às comemorações, que parabenizarei todos os aniversariantes do dia, que elogiarei com frequência, que sorrirei sinceramente aos que me tiram a paciência, que farei mais algumas coisas que gosto e menos outras que detesto, que serei voluntária e, finalmente, que não descuidarei dos exercícios físicos (Affff!).
O sinal do WhatsApp interrompe a reflexão e a outra filha, aquela que pintou nossa casa de rosa há dezesseis anos, pergunta: “Mãe, qual é mesmo tua cor preferida? Verde?” Ela já pinta com todas as cores, veste animal print, marsala ou o que “pintar”, então, sinto o clássico arrepio de mãe. Em seguida, baixa uma foto: “Surpresa, mãe, pintei meu cabelo de verde!
Por que os rios da minha cidade não são azuis?
(Publicada no Jornal Folha das Máquinas, de 14/08, p. 07)
(Publicada no Jornal Folha das Máquinas, de 14/08, p. 07)
Com que frequência você troca a foto de capa ou de perfil nas redes sociais que frequenta? Substituindo-as umas três ou quatro vezes por ano, pode refletir sobre como anda sua popularidade e quantos amigos você tem, sendo que, em geral, 10% dos contatos se manifestam sobre as postagens (resultado de pesquisa nada oficial), o que pode indicar que são os que realmente se importam com você (ou não).
Virou foto de capa, um dia desses, com míseros 2% de importância, um rio da minha cidade, emoldurado de verde, encoberto de azul, (mal) tirada durante um passeio de férias com quatro crianças curiosas que amam computadores, smartphones e toda maravilha tecnológica que há, entretanto, ainda trocam tudo por uma incursão pela natureza ou uma tarde no parque.
E eu que já andei tantas vezes pelas trilhas desta cidade, sinto cheiro de mato na foto, frescor na pele, ouço o som da água descendo pelas pedras, vejo que o verde abraça tudo isso (e não há sacolas de supermercado ou peças de roupas descartadas penduradas, pelo menos naquele ponto).
Recordo que, no mundo das belas imagens, um parapente na imensidão azul ou a pesca numa cachoeira alcançaram números mais expressivos que o riozinho de águas turvas. Concluo que fui injusta ao apresentá-lo desprovido de filtros e maquiagem, como quem ama, e pergunto por que os rios da minha cidade não são azuis como as águas que aprendi a pintar na infância.
Essa infância que pintou águas de azul e não aprendeu a admirar as reais, turvas ou barrentas pela chuva, cresceu e inunda os barrancos com plástico, panos e todo tipo de objetos inúteis que tornam nossos arroios menos admiráveis, ainda que mais vitais, do que os dos comerciais de pick-ups. Fico decepcionada com meu descuido fotográfico que não captou a exuberância das flores e cogumelos, o som da correnteza nas pedras e o quão privilegiados somos.
Poderíamos, talvez, andar de canoa, abrir um camping, viabilizar a pesca ou outro esporte aquático, mas isso atrairia barulho, sujeira e estranhos; tiraria o espaço de nossos entulhos. Mantenhamos nossa distração restrita às noites dos finais de semana e às nossas avenidas, em que cultivamos novas gerações que preferem pintar águas com as cores das sacolas plásticas e das garrafas pet.
A moça que cuida de pássaros
(Publicada no Jornal Folha das Máquinas, 11/08, p. 08)
(Publicada no Jornal Folha das Máquinas, 11/08, p. 08)
As vidraças são ilusões. Ilusões de liberdade. Ilusões de espaços. Que o
digam os pássaros estatelados nos vidros transparentes das edificações
desta cidade.
Eu que não voo, viajo de uma árvore a outra e analiso as estações pelas copas das árvores do outro lado da rua. Nos invernos já quis ter uma máquina que aparasse as copas das mais altas, secas pelas geadas, ou desde antes, pelos ventos do outono. Irritante ver as copas secas, esquálidas, da janela em que me enquadro.
Mas de repente verdes (de repente?). Por quanto tempo não examinei as copas, perdida entre panelas, filhas, roupas, cadernos, wi-fis... E então parece ridícula a ideia da máquina para podar copas inacessíveis. Exuberantes agora.
As vidraças... ilusão de liberdade nos dias em que me perco entre paredes, tarefas e minutos... ilusão de atmosfera para os pássaros entre áreas verdes, que escassas em muitos lugares, são duas ao meu redor. Tucanos, quatis, sabiás, pombas, jacus, lagartos e esquilos são comuns por aqui.
Plaaffffftttt!! Mais uma pomba na vidraça!? Não... Para surpresa, um lindo pássaro de penas pretas e amarelas, com um penacho vermelho na nuca, grande como uma pomba, tonto na grama. Seguro – no cuidadosamente e ele se agarra aos meus dedos como a um galho de árvore (ou a uma tábua de salvação).
E agora? Lembro-me da moça que salva pássaros, segundo o facebook. Sim, o polo metalomecânico tem, além de máquinas e metais, uma moça que gasta seu tempo (que vale dinheiro!?) cuidando de pássaros. Ligo e ela vem... larga tudo, lanche, sobrinhos, as compras no super... “um pássaro para cuidar, que sobreviva ao espaço ilusório da cidade é coisa que vale a pena”.
Ele arfa, coração passarinho a mil, o penacho vermelho em movimento, asas, bico, todo sobressalto. O que diz a moça que cuida de pássaros? “Ele é tão lindo, é silvestre, queira Deus que voe!” Ele ouve e voa, bico úmido de gotas frescas, penas lisas de carinho de moça loira que já foi pássaro e que sabe como é bom voar.
Eu que não voo, viajo de uma árvore a outra e analiso as estações pelas copas das árvores do outro lado da rua. Nos invernos já quis ter uma máquina que aparasse as copas das mais altas, secas pelas geadas, ou desde antes, pelos ventos do outono. Irritante ver as copas secas, esquálidas, da janela em que me enquadro.
Mas de repente verdes (de repente?). Por quanto tempo não examinei as copas, perdida entre panelas, filhas, roupas, cadernos, wi-fis... E então parece ridícula a ideia da máquina para podar copas inacessíveis. Exuberantes agora.
As vidraças... ilusão de liberdade nos dias em que me perco entre paredes, tarefas e minutos... ilusão de atmosfera para os pássaros entre áreas verdes, que escassas em muitos lugares, são duas ao meu redor. Tucanos, quatis, sabiás, pombas, jacus, lagartos e esquilos são comuns por aqui.
Plaaffffftttt!! Mais uma pomba na vidraça!? Não... Para surpresa, um lindo pássaro de penas pretas e amarelas, com um penacho vermelho na nuca, grande como uma pomba, tonto na grama. Seguro – no cuidadosamente e ele se agarra aos meus dedos como a um galho de árvore (ou a uma tábua de salvação).
E agora? Lembro-me da moça que salva pássaros, segundo o facebook. Sim, o polo metalomecânico tem, além de máquinas e metais, uma moça que gasta seu tempo (que vale dinheiro!?) cuidando de pássaros. Ligo e ela vem... larga tudo, lanche, sobrinhos, as compras no super... “um pássaro para cuidar, que sobreviva ao espaço ilusório da cidade é coisa que vale a pena”.
Ele arfa, coração passarinho a mil, o penacho vermelho em movimento, asas, bico, todo sobressalto. O que diz a moça que cuida de pássaros? “Ele é tão lindo, é silvestre, queira Deus que voe!” Ele ouve e voa, bico úmido de gotas frescas, penas lisas de carinho de moça loira que já foi pássaro e que sabe como é bom voar.
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